O discurso (que transcrevemos na íntegra) proferido pelo Presidente angolano, João Lourenço, certamente também subscrito pelo Presidente do partido no Poder desde 1975, o MPLA, e até mesmo pelo Titular do Poder Executivo, em Nova Iorque (EUA), na reunião do Conselho de Segurança da ONU sobre a situação na República Centro-Africana (RCA), é uma boa peça de oratória inócua, uma mão cheia de nada, uma linear tese de quem é perito em trocar seis por… meia dúzia.
«Permitam-me felicitar o digno Representante Permanente da República da Estónia junto das Nações Unidas, o Senhor Sven Jurgenson, pela sua eleição para o cargo de Presidente do Conselho de Segurança, para o mês de Junho.
A República de Angola assumiu no dia 20 de Novembro de 2020 o mandato que exerce presentemente, de Presidente da Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos (CIRGL).
Durante os dois anos do seu mandato, Angola pretende dinamizar e fortalecer a Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL), para fazer face aos desafios da paz, segurança, estabilidade e desenvolvimento da região, com o apoio dos parceiros bilaterais e multilaterais, nomeadamente da União Africana, da União Europeia e da Organização das Nações Unidas.
O Plano Estratégico da presidência de Angola tem como referência principal o Pacto sobre a Paz, a Estabilidade e o Desenvolvimento na Região dos Grandes Lagos, de 15 de Dezembro de 2006 e orienta-se pelos princípios do Direito Internacional, nomeadamente a Carta da Organização das Nações Unidas e o Acto Constitutivo da União Africana.
A situação de segurança na Região dos Grandes Lagos, particularmente na República Centro Africana, é caracterizada pela presença activa de grupos armados, dos quais 14 são signatários do Acordo Político de 6 de Fevereiro de 2019, de Paz e Reconciliação na República Centro Africana, sendo que seis deles denunciaram o Acordo.
O governo de Angola reconhece que o apoio internacional é cada vez mais importante agora, para contribuir nos esforços tendentes a garantir a paz e a estabilidade na República Centro Africana.
Aos 29 de Janeiro do corrente ano, realizámos em Luanda, capital da República de Angola, uma Cimeira em formato reduzido da CIRGL sobre a Situação Política e de Segurança na República Centro Africana.
A Cimeira contou com a participação, além de Angola, de Sua Excelência Denis SASSOU-N’GUESSO, Presidente da República do Congo; Sua Excelência o Marechal Idriss Déby ITNO, Presidente da República do Tchad e Presidente em Exercício da Comunidade dos Estados Sahel-Saara (CEN-SAD) como convidado especial; Sua Excelência Faustin Archange TOUADERA, Presidente da República Centro Africana; altos representantes dos Chefes de Estado do Ruanda e do Sudão, assim como o Presidente da Comissão da CEEAC e o Secretário Executivo da CIRGL.
Os Chefes de Estados e de Governo renovaram o seu engajamento para privilegiar o diálogo e a concertação permanente entre os actores políticos e a sociedade civil, com vista a tirar a RCA da crise actual.
Apelaram aos grupos rebeldes a observar um cessar-fogo unilateral e imediato e a abandonar o cerco à cidade de Bangui e voltar para as posições iniciais, bem como a abrir o corredor Douala-Bangui para permitir a livre circulação de pessoas e bens.
Conferiram mandato aos Presidentes em exercício da CIRGL e da CEEAC, para efectuarem as diligências necessárias junto do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para o levantamento do embargo de armas imposto à República Centro Africana.
A República de Angola, na sua qualidade de Presidente em exercício da CIRGL e em concertação permanente com as autoridades centro-africanas, desenvolveu consultas político-diplomáticas junto dos Camarões, Congo, Tchad, República Democrática do Congo e Sudão, com o objectivo de recolher e partilhar informações necessárias para facilitar o processo de contactos com os principais actores políticos e militares.
Aos 20 de Abril último, realizou-se em Luanda a segunda Cimeira sobre a situação Política e de Segurança na República Centro Africana, que para além dos Chefes de Estado atrás citados, contou também com a presença do Presidente Paul Kagame do Ruanda e representantes dos Chefes de Estado do Sudão, dos Camarões e da República Democrática do Congo.
Esta Cimeira ficou manchada com a triste notícia recebida em plena reunião, da morte em combate do Presidente da República do Tchad, o Marechal Idriss Deby Itno.
No decorrer dos trabalhos, os Chefes de Estado e de Governo receberam a informação sobre os resultados das consultas político-diplomáticas levadas a cabo pela República de Angola, relativas à situação política e de segurança na República Centro-Africana, que levaram os principais grupos armados a assumir o compromisso de abandonar a luta armada e a aderir ao programa de Desarmamento, Desmobilização, Reintegração e Repatriamento, DDRR.
Em todo este processo, é justo reconhecer o papel desempenhado pelas autoridades do Tchad, que contribuíram grandemente para o sucesso desta missão.
Os líderes políticos congratularam-se com os resultados obtidos e mandataram o Governo da República Centro Africana a levar a cabo a implementação das conclusões dos Chefes de Estado, através de um cessar-fogo para permitir a criação de um clima favorável à paz e à reconciliação nacional.
Na mesma ocasião, os Chefes de Estado e de Governo instaram os grupos armados a não realizarem acções que ponham em causa o cessar-fogo, e apelaram à Comunidade Internacional, em particular a Organização das Nações Unidas, para encorajar os esforços regionais com vista a revitalizar o Acordo Político para a Paz e Reconciliação (APPR-RCA).
Os Chefes de Estado e de Governo decidiram ainda formar uma equipa de trabalho dirigida pelos Ministros das Relações Exteriores da República de Angola e da República do Ruanda para, em colaboração com as autoridades centro-africanas, trabalharem na implementação das recomendações saídas das consultas realizadas com os grupos armados.
Decidiram também engajar os Chefes de Estado e de Governo e os parceiros internacionais na consecução da paz, estabilidade e segurança na República Centro-Africana, no espírito do roteiro do Diálogo Republicano.
É neste quadro que Angola enviou imediatamente o Ministro das Relações Exteriores a Paris, para manter o Presidente Emanuel Macron inteirado dos progressos alcançados e aprovados na Cimeira de Abril, e com igual propósito o Ministro se deslocou a Addis Abeba, onde igualmente informou o Presidente da Comissão da União Africana, Moussa Faki.
Nos meses de Maio e Junho, os Ministros dos Negócios Estrangeiros da República Centro Africana, da República de Angola e da República do Ruanda reuniram-se em três ocasiões em Bangui, para aprovar uma proposta de Roteiro Conjunto para a Paz na RCA, que define as actividades principais a serem desenvolvidas.
Todos os Estados têm o direito inalienável de criar capacidade própria de se defender de ameaças internas e externas, capacitando as suas Forças Armadas com os homens, armamento e equipamentos à altura das suas necessidades e capacidades, salvo se existirem fortes razões objectivas que levem à comunidade internacional, através do Conselho de Segurança, a cercear-lhe esse direito.
A medida do embargo de armas tomada pelo Conselho de Segurança, que impossibilita o Governo centro-africano de as adquirir, foi tomada numa conjuntura em que era apropriada e necessária naquela altura, bem diferente da actual.
Passaram-se anos e o quadro mudou, não sendo realista considerar que as mesmas razões que justificaram tal medida no passado, ainda prevaleçam na actual conjuntura, se tivermos em conta o facto de que o actual governo foi legitimado nas urnas nas últimas eleições gerais, reconhecidas pela comunidade internacional.
Estaremos a passar uma mensagem errada se a comunidade internacional, que está a trabalhar pelo desarmamento, desmobilização, reintegração e repatriamento DDRR dos integrantes dos grupos armados, for a mesma a impedir a construção de verdadeiras Forças Armadas, à altura dos desafios do país e da conturbada região.
Numa altura em que o terrorismo internacional transferiu o seu epicentro do Médio Oriente para África, agravado com o facto de se ter decidido pela expulsão dos mercenários e combatentes estrangeiros da Líbia sem que tivessem sido desarmados, acompanhados e repatriados, situação que pode exacerbar a proliferação do terrorismo e incrementar a ameaça à paz e à estabilidade na região do Sahel e dos países da África Central e Austral, é imperioso que os Estados adquiram a capacidade de se defenderem desta ameaça real.
O Exército de mercenários fortemente equipados, que percorreu milhares de quilómetros em direcção à Djamena, teria continuado o seu percurso destruidor caso o Tchad não tivesse investido nas suas Forças Armadas, o que só vem confirmar a tese da necessidade de termos Estados fortes no domínio da Defesa e Segurança.
Enquanto o país conta com a presença dos efectivos da MINUSCA e de outras forças estrangeiras no terreno, é altura de se ajudar a República Centro Africana a formar as suas tropas e equipar com armamento e equipamentos as Forças Armadas, para que comece a caminhar com as suas próprias pernas e esteja em condições de garantir a sua própria defesa e segurança, um dia quando as forças estrangeiras terminarem a sua missão e se retirarem.
Ao mesmo tempo, consideramos importante que as autoridades centro-africanas trabalhem no sentido de neutralizar as forças internas que apostam em deteriorar as boas relações com as Nações Unidas e com influentes membros do Conselho de Segurança, com quem devemos todos trabalhar no espírito de parceria e de respeito mútuo, na defesa da paz e segurança dos nossos países.
É com base em todas estas razões de fundo que a Cimeira de Luanda mandatou os Chefes de Estado de Angola e do Congo, Presidentes em exercício da Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos (CIRGL) e da Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC), respectivamente, a se dirigirem ao Conselho de Segurança das Nações Unidas para, em nome dos Estados e dos povos das duas sub-regiões, solicitarem o levantamento do embargo de armas que ainda vigora contra o governo legítimo da República Centro Africana.
Esperamos que o Conselho de Segurança passe a olhar para este dossier com outros olhos, com mais justiça para com um país que se sente amordaçado por uma medida que já não se coaduna com a situação hoje vigente.»